Um
forte coro, outrora engasgado, ecoou pelo Centro do Rio durante toda a tarde de
terça-feira (13). Com bravos punhos erguidos ao ar em posição de luta e seios
pintados como donas do próprio corpo, milhares de mulheres se uniram contra as
alterações na PEC 181/15 que proíbe o aborto legal no Brasil. Atos como esse
ocorreram em várias outras cidades do país. Uma corrente gigantesca de
sororidade conectou-as em sua marcha contra o conservadorismo político. Era um
grito engasgado, sufocado, oprimido.
Falar
de aborto desperta as paixões mais viscerais na sociedade, mas pouco se explica
sobre o tema. Abafado por questões moralistas e religiosas, a temática deixa de
ganhar o envelope que lhe é cabido: o de saúde pública. É óbvio que ninguém faz
apologia do aborto ou o defende como método contraceptivo. Mas num país em que
uma mulher morre a cada dois dias fruto de procedimento marginal, é preciso
enfrentar este debate com altivez e coragem.
As
alterações no texto da PEC 181 na Comissão Especial da Câmara, através da
bancada fundamentalista, pioram o quadro e compõem uma absurda manobra. A
proposta de emenda à Constituição tratava apenas licença-maternidade em casos
de bebê prematuro, mas 18 parlamentares homens, trajados de “donos da verdade e
da moral” resolveram incluir um texto que propõe “a vida desde a concepção”. Ou
seja, criminalizaram a legislação em vigor que permite o aborto em casos de
estupro e no risco de vida materna (artigo 128 do Código Penal). Não importa a
vida da mulher ou se a gravidez decorre da violência de um estuprador - o que é
mais assustador. Esses 18 homens, na tentativa de impor suas visões, acabaram
indo contra o direito em vigor desde 1940. Ou seja, indo em direção ao século
XIX.
Como
formidavelmente disse a atriz Marieta Severo em 2015, “nada contra as
religiões. Aceito todas. Só não quero uma legislando a minha vida”. É
exatamente esse pensamento que deve permear as discussões legislativas no
Parlamento. Não se pode alterar a Constituição da nação para quebrar o Estado
laico e impor uma visão religiosa e uma única verdade.
A
morte de milhares de mulheres por procedimentos caseiros ou inseguros só amplia
a hipocrisia de nossa sociedade. Seja pela agulha de tricô ou pelo remédio de
fundo de quintal, a gravidez indesejada continuará assassinando. Neste caso,
mulheres mais pobres. Será que o Estado realmente permitirá mais esse
retrocesso? Arremessará mais mulheres, vítimas de violência sexual, à condição
marginal do aborto inseguro?
É
preciso paralisar a tramitação desta proposta de emenda constitucional em nome
da vida das milhões de mulheres brasileiras.
* Jandira
Feghali é médica, deputada federal (PCdoB/RJ) e vice-líder da Oposição.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2017/11/decidirao-pelas-mulheres.html
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