O
presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto Caldas,
criticou o governo de Michel Temer e o golpe no Brasil em entrevista publicada
nesta quarta-feira (11) na Folha de S.Paulo. As declarações foram dadas no
final de setembro e nelas o juiz Caldas afirma este é o momento no
pós-redemocratização “em que mais se está retirando direitos no Brasil e
fazendo propaganda de que isso é modernidade”.
De
acordo com ele, a conjuntura atual promove um discurso de ódio contra os
direitos humanos, que têm sido rotulados como responsáveis pelo
subdesenvolvimento do país. “Os direitos humanos são padrões mínimos de
garantias para a sociedade menos potente, menos aquinhoada, que tem de ter uma
proteção mínima”, enfatizou.
Retrocesso
no Brasil
Caldas
colocou em dúvida se o atual governo está levando a sério a agenda 2030, da
Organização das Nações Unidas (ONU), que determina que através de políticas
públicas se erradique a fome e a miséria e se atinja uma diminuição dos níveis
de pobreza. “Para que, uma vez atingido o grau mínimo de dignidade humana, as
pessoas não regridam”.
“Será
que o país está levando realmente a sério essa questão? Estamos diminuindo a péssima
distribuição de renda que temos? O Brasil é o 10º pior país em distribuição de
renda, temos graves problemas de liberdade de expressão, violência contra
jornalistas e falta de pluralismo”, questionou.
Caldas
constatou que o cenário nacional é de retrocesso para as pautas
contra-hegemônicas: “A violência contra a mulher, indígenas e população LGBTI,
a não demarcação de terras. Isso é muito sério para um país com a dimensão do
Brasil, que influencia a América Latina. Creio que passamos por um dos momentos
mais graves, em termos de direitos humanos. Felizmente não é por armas”,
completou.
Caos social
O
presidente da Corte lamentou a decisão sobre a cura gay, quando um juiz
concedeu liminar autorizando psicólogos a ofertar a a chamada cura gay sem que
sejam punidos pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). “É uma questão que
também vinha se desenvolvendo para uma maior abertura, maior respeito às
pessoas em sua pluralidade, e agora há uma reação daqueles que não estavam
contentes com isso”.
Na
opinião de Caldas, o ambiente “extremamente conflitivo” está valorizando as
diferenças, não as semelhanças. “Está se procurando esgarçar o tecido social.
Acho que isso realmente não é do interesse nacional”.
Ele
foi enfático: “Por que este país, com tantos recursos naturais, não se
desenvolve? Nós, como elite, não estamos tendo a capacidade de fazer um pacto
suficientemente forte para permitir o desenvolvimento social e econômico. Não
existe o segundo sem o primeiro, sem educação e saúde para as pessoas. Isso é absolutamente
básico”.
Golpe
Caldas
voltou a mencionar o termo elite ao se referir ao golpe que destituiu a
presidenta Dilma Rouseff em 2016. “Retirou-se uma presidenta por defeitos de
gestão, vontade da elite política e econômica, que venceu essa queda de braço,
era mais bem representada numericamente no Congresso”.
Ele
declarou que é preocupante o que chamou de “forçação” na forma de tratamento
recebida pela ex-presidenta e pelo atual. “Agora, o que se tem? As pesquisas de
opinião, que antes eram semanais, mas diminuíram muito, mostram que a
popularidade [do presidente Temer] está lá embaixo. Mas parece que há uma
"forçação" para que as notícias de otimismo empresarial tenham
prevalência no debate social. Isso tudo é muito preocupante”.
Na
opinião dele, quando se fala nas eleições de 2018 a tendência que se vê é
“parece que há interesses maiores para que permaneça no poder um grupo que
estabilizou a economia, como vemos na propaganda todo dia”.
Caldas
voltou a afirmar que o clima é muito diferente ao se ver o noticiário agora e à
época da presidenta Dilma. "Agora há um otimismo, o Congresso está
unido." Como se fosse um Congresso santo, que está decidindo em favor da
maioria da sociedade”.
Reformas na
contramão da dignidade
As
críticas do presidente da Corte Interamericana se estenderam para as reformas
da Previdência e Trabalhista, esta segunda aprovada no Congresso passa a
vigorar em 11 de novembro. Ambas são questão de honra do governo de Michel
Temer, que após aprovar a trabalhista não consegue apoio para avançar com a da
Previdência.
“Em
vez de se investir no material humano, em retirar pessoas da ignorância, é que
construiremos um país desenvolvido. Não tenhamos a ilusão de que diminuindo
ainda mais salários, retirando mais garantias, ou seja, tornando mais abissal a
diferença entre os que ganham mais e os que ganham menos, vamos desenvolver um
país”.
Caldas
lembrou que a reforma trabalhista passou mas registrou problemas durante o
trâmite no Congresso. “Um substitutivo com mais de cem artigos foi apresentado
numa semana e aprovado na outra. Mal deu tempo de ler”.
Ele
ressaltou que “uma reforma dessa tem de ser discutida pela sociedade,
audiências públicas têm de ser feitas. Não só ali, fechado no Congresso. As
pessoas têm de saber o que vai acontecer para poder se posicionar. Essas
reformas diminuem os direitos das pessoas que já têm poucos”.
Mais
empregos a que custo?
Na
opinião dele, o argumento dos governistas faz sentido, ou seja, facilita a
empregabilidade para o empregador.”Mas será que é esse empregador que deve ser
o alvo prioritário de reformas legislativas? Temos de atentar para isso, para
construirmos uma base de sociedade com solidariedade”, observou Caldas. “O que
estamos fazendo é aumentar o grau de precariedade, de acidentes de trabalho, em
que já somos campeões mundiais”, respondeu.
Caldas
ainda questionou: “Quanto mais queremos nos rebaixar, os subdesenvolver? O
Estado é essencial na construção de políticas públicas emancipadoras das
pessoas. Retirar as pessoas da pobreza é um desafio impostergável, não podemos
nos dar ao luxo de tentar fazer uma flexibilização para ver se vai empregar
mais. Quando se protege menos, aumenta a força de quem já tem poder”.
http://www.vermelho.org.br/noticia/303047-1
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