sábado, 23 de setembro de 2017

A ESCALADA DO NAZIFASCISMO. Por Paulo Muzell

Nossa história, do descobrimento até o passado recente, tem como marca registrada o autoritarismo e a violência. Num país pobre, onde as desigualdades não são apenas extremas, são abissais, criminosas, o poder é exercido por uma oligarquia atrasada que até hoje não superou a ancestral mentalidade “casa grande-senzala”.

Menos de três décadas depois do fim da ditadura militar a nossa casta do poder – capital financeiro, grandes proprietários rurais, mídia oligopolista, uma  maioria corrupta no Congresso e além do poder judiciário – começaram a tramar o golpe. Eles não suportavam um governo de centro-esquerda (mais de centro do que de esquerda, na verdade) com um mínimo de sensibilidade social.

A Ação Penal 470 foi o começo de um furioso ataque ao PT. Com a prisão de Zé Dirceu foi concluída a primeira etapa e em 2013 começou a segunda com a Lava Jato. A operação foi anunciada pela mídia como o “marco de uma nova era”. Finalmente teríamos o fim da corrupção no país, os graúdos seriam presos porque “a lei é para todos”. Grossa mentira que até virou título de um filme B. Começou a funcionar a “”República de Curitiba” sob a batuta do poderoso doutor Moro, um juiz cima do bem e do mal. Longas prisões preventivas  geraram delações suspeitas, não corroboradas por provas materiais. O judiciário passou a condenar sem provas, com base em indícios ou convicções.  Um Supremo Tribunal Federal (STF) parceiro do golpe deu total apoio às ilicitudes. A delação virou um negócio rendoso. Na linguagem neoliberal poderíamos dizer que surgiu um novo nicho de mercado, muito promissor. Não ficou qualquer dúvida sobre as preferências ideológicas e opções políticas do nosso sistema de justiça, sabidamente corporativo, reacionário e majoritariamente de direita.

As dificuldades econômicas de 2013 trouxeram a insatisfação popular, o combustível das manifestações de protestos daquele ano. Protestos difusos, sem a participação dos sindicatos ou dos partidos políticos, que tiveram discreto protagonismo. Aos anarquistas dos black-blocs se somaram os militantes do MBL (Movimento Brasil Livre), uns fascistóides à época comandados por Bolsonaro,  financiados e apoiados por entidades patronais: as federações comerciais e industriais da vida. Com o crescimento do clamor das ruas a gente viu aqui em Porto Alegre algo inacreditável, surreal: moradores dos Moinhos de Vento e do entorno do Parcão e adjacências batendo panelas!

O forte ataque da mídia e o desastroso primeiro ano de Dilma contribuíram decisivamente para o sucesso do golpe. Utilizando um frágil pretexto, as famosas “pedaladas fiscais”, uma Câmara Federal com corrupta maioria, sob a presidência de um Eduardo Cunha e com o apoio de um Supremo comandado por Gilmar 45, conseguiu afastar uma presidenta eleita pelo voto popular. Temer assumiu e uma verdadeira quadrilha tomou conta do Palácio do Planalto. O moralista e enganoso pretexto de “extirpar a corrupção” gerou mais corrupção, trazendo enormes prejuízos ao patrimônio nacional e à economia do país. Mergulhamos numa profunda recessão que, ao que tudo indica, vai perdurar.  Ressentida por ter sido afastada do poder por mais de treze anos a direita se lançou com muita sede ao pote: em menos de um ano aprovou a reforma trabalhista, encaminhou a previdenciária e anunciou para breve um gigantesco programa de privatizações.

Fortalecidos, setores da extrema direita ficaram a vontade para mostrar suas garras. O MBL (Movimento Brasil Livre), os evangélicos, os comparsas do Bolsonaro, os setores mais atrasados da Igreja Católica apoiados por alguns partidos à direita (DEM, PP, PSC, PRB e outras siglas menores, de aluguel), promovem, com crescente frequência, ataques aos direitos humanos, à liberdade de expressão, de opinião e de culto.

Nos últimos dias uma sucessão de lamentáveis episódios está a indicar o começo de uma escalada fascista no país.

Aqui em Porto Alegre o juiz Fernando Tomazi Diniz proibiu manifestações dos municipários em protestos contra o governo do prefeito Marchezan Júnior. Em seguida o MBL, braço político e espécie de “tropa de choque” do prefeito invadiu uma exposição de pintura promovida pelo Santander, fechando-a na “marra”.

Em Jundiaí outro magistrado, Luiz Antonio de Campos, proibiu a exibição de uma peça teatral alegando “desrespeito” a crenças religiosas.

Em Guarulhos juiz absolveu pai que raspou a cabeça e espancou filha com extrema violência, com fios elétricos. A garota perdera a virgindade. Sua Excelência, o juiz Luiz Antonio de Campos perdoou o acusado e justificou: “como pai ele exerceu o legítimo direito de correção”.

Em Brasília o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho concedeu liminar que permite tratar a homossexualidade como doença. A absurda decisão, flagrantemente inconstitucional, foi duramente criticada pelo Conselho Federal de Psicologia que a classificou como grave violação dos direitos humanos, destituída de  embasamento científico. A Organização Mundial da Saúde (a OMS) repudia  classificar homossexualidade como doença.

Em São Paulo numa exposição de pintura promovida pelo MASP os organizadores colocaram panos pretos cobrindo quadros com desenhos eróticos.

No Pará o próprio governo estadual reconheceu que dez agricultores foram emboscados e executados na Fazenda Santa Lúcia. Os criminosos não foram identificados, permanecem impunes.

Em São Bernardo uma ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem
Teto (MTST) foi alvo de tiros desferidos por moradores de um condomínio de luxo da vizinhança.

E, como se tudo isso não bastasse, o general de quatro estrelas Antonio Mourão, integrante do Alto Comando do Exército curto e grosso sentenciou: “se esta bagunça continuar, o Exército deve assumir”.

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Paulo Muzell é economista.

https://www.sul21.com.br/jornal/escalada-do-nazifascismo/


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