Nem
todo incendiário é maluco ou criminoso.
Quando,
no inverno de 1812, as invencíveis tropas de Napoleão estavam às portas de
Moscou, prestes a tomá-la, o prefeito da cidade russa, Conde Fedor Rostopchine,
sem contar com tropas russas para protegê-la, ordenou a retirada de toda a
população e em seguida mandou incendiar tudo.
Napoleão
não encontrou uma cidade, mas cinzas.
Não
conquistou Moscou porque não tinha o que conquistar.
E
assim o conde incendiário salvou o império da Rússia.
Certa
senhora, um dia, encantada com sua ousada e ardilosa estratégia disse-lhe que
deveria escrever suas memórias.
No
dia seguinte o conde trouxe-lhe um pequeno rolo de papel.
"O
que tendes aí?" perguntou-lhe a senhora.
"Conformei-me
com as vossas ordens", tornou-lhe o conde; "redigi minhas memórias; e
ei-las aqui".
"MINHAS
MEMÓRIAS OU EU AO NATURAL ESCRITAS EM DEZ MINUTOS"
Índice dos
capítulos
I.
Meu nascimento; II. Minha educação; III. Meus sofrimentos; IV Privações; V.
Épocas Memoráveis; VI. Retrato moral; VII. Resolução importante; VIII. O que eu
fui e o que poderia ter sido; IX. Princípios respeitáveis; X. Meus gostos; XI.
Minhas aversões; XII. Análise da minha vida; XIII. Recompensas do céu; XIV. Meu
epitáfio; XV. Epístola dedicatória.
Capítulo
1. Meu nascimento. Em 1765, aos 12 de março, saí das trevas para o pleno dia.
Mediram-me, pesaram-me, batizaram-me. Nasci sem saber porque e meus pais
agradeceram o céu sem saber de que.
Capítulo
II. Minha educação. Ensinaram-me toda a sorte de coisas e toda espécie de
línguas. À força de ser impudente e charlatão passei algumas vezes por sábio.
Minha cabeça tornou-se uma biblioteca ambulante desaparelhada, de que guardei a
chave.
Capítulo
III. Meus sofrimentos. Fui atormentado pelos mestres, pelos alfaiates que me
faziam as casacas estreitas, pelas mulheres, pela ambição, pelo amor próprio,
pelos pesares inúteis, pelos soberanos e pelas reminiscências.
Capítulo
IV. Privações. Tenho sido privado dos três grandes gozos da espécie humana, o
roubo, a glutonia e o orgulho.
Capítulo
V. Épocas memoráveis. Aos 30 anos renunciei à dança; aos 40, a agradar ao belo
sexo; aos 50, à opinião pública; aos 60, a pensar, e tornei-me um verdadeiro
filósofo ou egoísta, o que é sinônimo.
Capítulo
VI. Retrato moral. Fui teimoso como um jumento, caprichoso como um casquilha,
jovial como um menino, preguiçoso como um arganaz, ativo como Bonaparte e tudo
segundo minha vontade.
Capítulo
VII. Resolução importante. Não tendo podido nunca ser senhor de minha
fisionomia, dei rédeas à língua e contraí o hábito de pensar em voz alta. Isto
procurou-me alguns gozos e muitos inimigos.
Capítulo
VIII. O que fui e o que poderia ter sido. Fui mui sensível à amizade, à
confiança; e se tivesse nascido durante a idade d'ouro fora eu talvez um
bonachão completo.
Capítulo
IX. Princípios respeitáveis. Nunca ingeri-me em casamento ou compadresco algum.
Nunca recomendei cozinheiro nem médico; por consequência, não atentei contra a
vida de ninguém.
Capítulo
X. Meus gostos. Gostei das pequenas companhias e dos passeios nos bosques.
Tinha uma involuntária veneração para o sol e o seu ocaso muitas vezes me
contristava. Em cores, preferia o azul; na comida, o boi; em bebida, água pura;
em teatros, a comédia e o entremez; em homens e mulheres, as fisionomias
abertas e expressivas. Os corcundas dos dois sexos tinham para mim um encanto
que nunca pude definir.
Capítulo
XI. Minhas aversões. Tinha antipatia aos tolos e enfatuados, às mulheres
intrigantes que fazem as virtuosas; repugnância para a afetação; compaixão para
os homens que se pintam e as mulheres que se disfarçam; aversão para os ratos,
os licores, a metafísica e o rhuibarbo; medo dos tribunais de justiça e dos
animais danados.
Capítulo
XII. Análise da minha vida. Espero a morte sem temor e sem impaciência. Minha
vida foi um melodrama de grande espetáculo, onde fiz de herói, de tirano, de
amante, de pai nobre, mas nunca de criado.
Capítulo
XIII. Recompensas do céu. Minha grande felicidade é ser independente dos três
indivíduos que regem a Europa. Como sou bastante rico, como dei de mão aos
negócios e sou indiferente à música, não tenho por consequência que haver-me
com Rotschild, Metternich e Rossini.
Capítulo
XIV. Meu epitáfio. Aqui puseram para repousar-se com uma alma lassa um coração
esgotado e o corpo usado, um velho diabo morto, senhores e senhoras, passai!
Epístola dedicatória ao
público
Cachorro
de público! Órgão discordante das paixões. Tu que exaltas o céu e engolfas na
lama, que preconizas e calunias sem saberes o porque, imagem do sino, eco de ti
mesmo, tirano absurdo, evadido da casa de doidos, extrato dos venenos os mais
sutis e dos aromas mais suaves, representante do diabo junto à espécie humana,
fúria mascarada em caridade cristã. Público! A quem hei temido na minha
mocidade, respeitado na idade madura e desprezado na velhice, é a ti que dedico
minhas memórias. Gentil público! Enfim estou fora de tua alçada porque estou
morto e, por consequência, surdo, cego e mudo. Assim possas tu gozar dessas
vantagens para teu repouso e do gênero humano.
(Conforme
publicado no jornal O Maiorista, Rio de Janeiro, sábado, 27 de novembro de
1841)
https://www.brasil247.com/pt/blog/alex_solnik/313158/Mem%C3%B3rias-do-russo-que-derrotou-Napole%C3%A3o-sem-dar-um-tiro.htm
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