“Teto” e captura do
patrimônio público
Nesta
semana a remuneração dos magistrados afinal se transformou em escândalo. O
jornal O Estado de S.Paulo informou que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso
autorizou o pagamento de cerca de meio milhão de reais a um juiz. Naturalmente
o juiz se defendeu afirmando que tinha direito ao montante recebido porque ele
se refere a vantagens legais que deixou de receber. Ao mesmo tempo, a ministra
Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de
Justiça, assinou portaria que obriga os tribunais de todo o país a publicarem a
folha de pagamento dos magistrados de forma detalhada incluindo todos os
benefícios.
Parece
uma boa reação do Poder Judiciário à captura do patrimônio público que
continuam a fazer altos servidores públicos, principalmente juízes e
procuradores. Parece, mas não creio que seja. O que o Supremo Tribunal Federal
deveria fazer é tornar efetivo o teto de remuneração dos servidores públicos
que a emenda constitucional 19, de 1998, estabeleceu.
Nessa
emenda cujo autor original fui eu, em minha qualidade de então ministro do
Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, foi estabelecido o
“teto” dos servidores públicos: a remuneração dos membros do Supremo Tribunal
Federal da época. Fizemos então um grande esforço para que ficasse claro que
esse teto era “absoluto”, ou seja, incluía toda e qualquer vantagem recebida
pelo servidor.
A
emenda dizia o seguinte no art. 37 inciso XI:
“XI
– a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos
públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e
os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos
cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra
natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal”.
O
texto está claríssimo. Em 2003, a emenda 41 manteve inteiramente esse texto,
apenas estabelecendo um segundo teto para servidores dos estados e municípios –
a remuneração do governador e do prefeito.
O
esforço que então fiz para que nada ficasse por fora envolveu a discussão do
texto com um grande número de pessoas, inclusive o presidente dos Supremo
Tribunal Federal de então, o Ministro Sepúlveda Pertence, que me auxiliou com
sua competência jurídica a tornar claro e sem exceções o teto de remuneração
dos servidores.
Entretanto,
em 2010, o Conselho Nacional de Justiça e o Supremo Tribunal Federal
reconheceram a legalidade de uma série de vantagens além do teto. Dessa maneira
aumentaram a remuneração dos altos servidores públicos que já alta em
comparação com outros países; dessa maneira capturam de forma “legal” o
patrimônio público – algo frequente nas sociedades modernas.
Sepúlveda
Pertence
Em
um trabalho de 1997 propus que depois de terem sido definidos e relativamente
assegurados os direitos civis, os políticos e os sociais, respectivamente nos séculos
XVIII, XIX e XX, no final deste século estava se definindo um quarto direito de
cidadania: os “direitos republicanos dos cidadãos” – o direito que cada cidadão
tem que o patrimônio público seja utilizado para fins públicos. A violência aos
direitos republicanos não é simples corrupção; é principalmente a violência
contra o patrimônio público que é definida como “legal”. É tanto a violência
contra o tesouro público como contra o ambiente, que é também público. O que
fazem o juiz de Mato Grosso e todos os servidores que recebem mais do que o
teto é desrespeitar esse quarto direito. Fazem-no seguindo uma “interpretação”
do Poder Judiciário que ignora a Constituição e legaliza o privilégio.
PUBLICADO NO FACEBOOK DE
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA.
Por Diario do
Centro do Mundo -
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/bresser-pereira-explica-como-juizes-e-procuradores-violaram-o-teto-constitucional-que-ele-ajudou-criar/
Nenhum comentário:
Postar um comentário