Localizada
no centro de Porto Alegre, ocupação abrigava cerca de 70 famílias
A
deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) e os deputados estaduais Stela
Beatriz Farias Lopes e Tarcisio Zimmermann (PT-RS) se manifestaram contra a
violência policial empregada pelo governo do Rio Grande do Sul durante o
despejo de 70 famílias da Ocupação Lanceiros Negros, em Porto Alegre, na
madrugada desta quinta (15).
Durante
a ação, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa
do Rio Grande do Sul, o deputado Jeferson Fernandes, foi detido.
Em
vídeo, Maria do Rosário alertou para a "ilegalidade" e
"inconstitucionalidade" do despejo. "A desocupação ocorreu à
noite, com uso de extrema violência, agressões, bombas e bala de borracha
contra pessoas que apenas lutavam pelo direito de morar", afirmou.
A
deputada estadual Stela Beatriz Farias Lopes lembrou o fato de que o prédio
pertence ao governo do estado e que a ação demonstra "um grau de
truculência crescente contra os movimentos sociais".
O
deputado estadual Tarcisio Zimmermann (PT-RS) afirmou que o ato foi covarde e
responsabilizou o governador José Ivo Sartori (PMDB) pela violência: "Não
devemos mais ter respeito ao Sartori, um governador que se omite de forma
vergonhosa diante do sofrimento do povo".
Além
dos parlamentares, a ex-presidente Dilma Rousseff também manifestou indignação
via redes sociais e classificou o uso da força como "desnecessária".
Entenda o caso
na reportagem de Marco Weissheimer, do Sul21:
Quando
proferiu seu despacho determinando o despejo, em caráter de urgência, das cerca
de 70 famílias que habitavam a Ocupação Lanceiros Negros há aproximadamente um
ano e sete meses, a juíza Aline Santos Guaranha, da 7a. Vara da Fazenda Pública
de Porto Alegre, manifestou uma preocupação especial. A magistrada recomendou o
“o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana e fora do horário de
expediente, se necessário, evitando o máximo possível o transtorno ao trânsito
de veículos e funcionamento habitual da cidade”. Sintonizada com as
preocupações da doutora Aline Guaranha, a Brigada Militar decidiu realizar a
reintegração de posse na véspera da data do Corpus Christi, um feriado nacional
para “celebrar a partilha do corpo de Cristo”.
No
entanto, a preocupação em evitar transtornos no centro da cidade acabou
esbarrando em decisões operacionais da própria Brigada Militar que transformou
a área da operação de despejo em uma praça de guerra. Menos de uma hora antes
da entrada em cena dos batalhões de choque da Brigada Militar, começava na
Assembleia Legislativa uma audiência pública da Comissão de Cidadania e
Direitos Humanos da Casa para tratar da situação dos moradores da Ocupação
Lanceiros Negros. Falando em nome da Ocupação, Priscila Voigt, que acabaria
sendo presa mais tarde, relatou uma situação de tensão e angústia vivida pelas
famílias. A pedido delas, o deputado Jeferson Fernandes (PT), presidente da
Comissão, decidiu transferir a audiência pública para a frente da ocupação.
Separado por apenas duas quadras, o trajeto entre o plenarinho da Assembleia e
a Ocupação, localizada na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves, foi
feito rapidamente pelo grupo que estava na AL e acabou surpreendendo os
efetivos do choque da Brigada Militar, que mobilizaram um não tão pequeno
exército para retirar os moradores do prédio da ocupação.
A
Brigada não esperou o deslocamento da audiência pública para o prédio da
Lanceiros. Quando viu a movimentação, lançou uma primeira ofensiva coberta por
bombas de gás contra a multidão que se concentrava em frente ao prédio da
Ocupação. No início da noite, a antiga rua da Ladeira já havia se transformado
em uma praça de guerra. Após aceitar a proposta de transferir a audiência
pública para a frente da ocupação, o deputado Jeferson Fernandes formou,
juntamente com integrantes do movimento, um bloco em frente à porta de entrada
do prédio, que tentou iniciar um processo de negociação com os oficiais de
Justiça que chegaram protegidos por dezenas de homens do choque da Brigada
Militar, acompanhados por viaturas e por um helicóptero, para efetivar a ação
de despejo.
Presidente
da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, Jeferson tentou argumentar com
os oficiais de justiça que a ação de despejo seria realizada à noite, sem que
as famílias tivessem uma garantia de local para onde ir após a ação policial.
Inflexíveis, os oficiais de justiça argumentaram que decisão judicial não se
discute e ameaçaram dar voz de prisão a quem se opusesse aos policiais. Um
grupo de integrantes da ocupação e o deputado insistiram na via da negociação.
A Brigada entrou em ação com sprays de pimenta, cassetetes, escudos e outras
ferramentas. Após essa investida, o deputado Jeferson Fernandes, com o rosto
muito machucado pelos jatos de spray de pimenta, foi levado detido por um
corpulento integrante da Brigada Militar que, em vários momentos, conduziu o
parlamentar aos pescoções, pela rua da Ladeira.
Pelo
menos outras sete pessoas, foram levadas presas na operação. Algumas delas
teriam sido mantidas encerradas dentro de viaturas do Choque antes de serem
conduzidas a uma delegacia. Ao final da noite, a informação era que todas
tinham sido conduzidas para o Palácio da Polícia. Além do presidente da Comissão
de Direitos Humanos da Assembleia, o deputado Pedro Ruas (PSOL), o vereador
Roberto Robaina (PSOL) e a vereadora Sofia Cavedon (PT) também foram para o
local levar apoio aos moradores da ocupação e acompanhar a ação da polícia.
Afastado
à força o grupo que tentava proteger a entrada da ocupação, a Brigada Militar
iniciou uma nova fase da operação que consistiu em colocar abaixo o portão de
entrada do prédio com um cabo amarrado a um veículo da corporação. A ação da
Brigada, que resultou na destruição do portão de entrada do prédio, foi
acompanhada por integrantes da Procuradoria Geral do Estado, que estavam no
local, supostamente, para zelar pela integridade do patrimônio público.
Apesar
da presença de crianças na ocupação, a ação da Brigada não foi acompanhada por
integrantes do Conselho Tutelar. Um integrante desse conselho apareceu no local
somente após a consumação da ação afirmando que não pode comparecer antes
porque só havia ele e mais um colega no plantão. Nada que impedisse os oficiais
de Justiça e policias militares de executarem a ação “evitando o máximo
possível o transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da
cidade”.
Consumada
a derrubada do portão de entrada do prédio, os primeiros moradores que desceram
à rua relataram o uso de spray pimenta pelos policiais que teria atingido
inclusive crianças, que tiveram crises de pânico e vômitos. Além disso,
relataram ainda, vários brigadianos teriam feito chacota das famílias da
ocupação, com manifestações provocadoras e desrespeitosas. “Não adianta nada,
nós vamos seguir ocupando”, desabafou Natanieli Antunes, jovem integrante da
ocupação. Foi difícil aos jornalistas, consultar a Brigada sobre essas
afirmações, pois não havia oficiais encarregados de conversar com a imprensa, o
que acabou ocorrendo em um clima de tensão e hostilidade. Repórteres
fotográficos e cinegrafistas, em especial, tiveram dificuldades em registrar o
que estava acontecendo, sendo abordados, em mais de uma ocasião, por policiais
encapuzados em um tom que variava entre a advertência e a ameaça.
A
Brigada não revelou quantos homens mobilizou na operação. A Polícia Civil
também deu sua contribuição com alguns poucos efetivos fortemente armados que
desfilaram armamento pesado ao acompanhar a saída das famílias. Uma fileira do
pelotão de choque foi instalada na esquina da Riachuelo com a General Câmara.
Outra, logo abaixo da esquina da Ladeira com a Andrade Neves, onde se
concentraram manifestantes que foram levar seu apoio à ocupação. Um dos relatos
mais freqüentes de integrantes da ocupação que saíam do prédio era de
provocações feita pelos policiais. No lado de fora do prédio, jornalistas
testemunharam policiais rindo e fazendo brincadeiras com a situação enfrentada
pelas famílias.
Por
volta das 21h30, caminhões da Emater começaram a chegar ao local para
transportar os bens das famílias despejadas. Junto com eles, chegou uma van com
um grupo de jovens que não escondia o seu constrangimento por ter que trabalhar
na remoção da mobília e das roupas das famílias. Das janelas de prédios
vizinhos à ocupação, alguns moradores protestaram contra a ação da Brigada.
“Covardia” foi uma das palavras mais utilizadas pelos vizinhos da Lanceiros.
O
comandante da Brigada Militar, coronel Jefferson de Barros Jacques, disse que a
tropa agiu “de forma proporcional à resistência encontrada”. O coronel não
esclareceu se as manifestações de escárnio feitas por policiais, relatadas por
integrantes da ocupação, e de truculência, testemunhadas por jornalistas,
fizeram parte dessa “reação proporcional”. Segundo nota divulgada pelo governo
do Estado, as famílias foram levadas ao Vida Centro Humanístico, no bairro
Sarandi.
Por
volta da meia noite, uma nova leva de bombas de gás foi lançada contra um
pequeno grupo que ainda se manifestava nas imediações da rua da Praia. Na
antiga porta de entrada da ocupação, destruída pela ação da Brigada, um soldado
encapuzado acompanhava a retirada dos pertences dos moradores. No lado de fora
do prédio, esses pertences se acumulavam pelas calçadas, aguardando a carona
dos caminhões da Emater que, além da Brigada e de integrantes da PGE,
representaram o governo do Estado na ação que tirou 70 famílias do prédio onde
viviam há quase dois anos. Já no início da madrugada desta quinta-feira, Nana
Sanches, da coordenação da ocupação, relatava a jornalistas o que havia
acontecido dentro do prédio durante a ação da Brigada. “Essa não foi a primeira
nem a última ocupação”, assinalou, lembrando que, enquanto não for resolvido o
problema da falta de moradia, não resta outra opção para as famílias sem teto a
não ser essa forma de luta.
Edição: Camila
Rodrigues da Silva
https://www.brasildefato.com.br/2017/06/15/parlamentares-repudiam-acao-de-despejo-violenta-na-ocupacao-lanceiros-negros/
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