"Estratégia
tornou-se um "plano B" de aposentadoria dos sonhos de um criminoso do
colarinho branco sem escrúpulos. Se for pego, pode perder parte do que roubou,
mas ficará "preso" em sua mansão"; a análise é da jornalista Helena
Sthephanowitz
Há
algo de disfuncional na Justiça brasileira quando oscila entre dois extremos no
trato dos crimes de corrupção. De um lado o engavetamento – omitindo-se de
investigar – e do outro, a banalização da prisão preventiva seguida de delação
premiada como atalho para as investigações.
Ambas
as medidas trazem grande risco de erro. E os erros vão além da violação de
direitos individuais, pois prejudica a própria redução da criminalidade, uma
vez que o Judiciário, sem querer, está indicando um caminho de redução de
riscos para a atividade criminosa.
Se
um criminoso que ainda não foi pego tem a quem delatar como carta na manga, o
risco de vira a ser punido fica reduzido com a jurisprudência da delação. E
isto é um incentivo para ele continuar perpetrando seus crimes, ao invés de
fazê-lo parar.
Afinal,
se não for pego fica com tudo o que roubou. Se for pego e ainda que perca parte
do amealhou em seus crimes, a pena pela sua condenação – reclusão domiciliar
com tornozeleira eletrônica – é equiparável à aposentadoria em um "resort"
de luxo. A delação tornou-se um "plano B" de aposentadoria para um
criminoso do colarinho branco e sem escrúpulos.
A
banalização das prisões preventivas com apelo midiático sacia a opinião pública
de quem já tem escrúpulos, mas para mentes criminosas a alternativa da delação
torna sua atividade de crimes menos arriscada e mais recompensadora. O
resultado, no conjunto da obra, mais cedo ou mais tarde, será o aumento da
corrupção, obviamente com métodos aperfeiçoados, diferentes dos já descobertos.
A
sociedade ganharia mais se a Justiça fizesse o óbvio pelo caminho do
equilíbrio: engavetasse menos, investigasse sem delongas para obter provas
materiais de forma a levar à condenação de criminosos milionários sem o
estímulo da "aposentadoria" em uma vida de luxo, via delação.
Peguemos
o exemplo do senador Aécio Neves (PSDB-MG), um dos que mais citados em delações
premiadas.
A
chamada Lista de Furnas é escândalo público e notório desde 2005. Está nas
gavetas até hoje. Onze anos depois, aparecem vários delatores confirmando a
lista, o esquema, os envolvidos, tudo. Se tivessem investigado a sério desde
2005 já haveria gente condenada e nem teria o que delatar sobre este fato em
2016. Haveria menos impunidade com menos criminosos premiados.
Quando
estourou o mensalão, em 2005, Aécio era governador e estava no ar a campanha
publicitária "Déficit Zero" do governo de Minas feita pela agência de
publicidade de Marcos Valério. Parece até provocação – ou certeza de impunidade
– o governo tucano de Aécio trazer de volta à publicidade governamental mineira
os mesmos empresários que já respondiam processo de improbidade administrativa
pelo mensalão tucano de 1998.
E
parece cegueira dos ministérios públicos estadual e federal não terem visto e
investigado discrepâncias na contabilidade do Banco Rural fornecida à CPI dos
Correios diferente da que deve ter o Banco Central e que, segundo delação do
ex-senador Delcídio do Amaral 11 anos depois, comprometeria o senador Aécio
Neves e o ex-senador Clésio Andrade.
O
próprio Marcos Valério, na iminência de nova condenação pelo mensalão tucano de
1998, só agora em 2016 negocia delação premiada incriminando políticos tucanos,
antes poupados. Houvesse mais investigação e menos engavetamento em todos esses
anos, o que ele tem a delatar já seria do conhecimento dos investigadores há
muito tempo.
A
sensação de impunidade de 1998 e 2005 incentivou novos casos de corrupção nos
anos seguintes. No último domingo (26), o jornal Folha de S. Paulo trouxe a
manchete "Sócio da OAS relata propina a tesoureiro informal de
Aécio". O sócio é o empreiteiro Leo Pinheiro. A propina seria de 3% sobre
a principal obra da gestão do tucano no governo de Minas, um faraônico palácio
de governo chamado de Cidade Administrativa. O tesoureiro informal citado na manchete
é Oswaldo Borges da Costa Filho, do círculo familiar do tucano, e dono do
jatinho particular usado pelo senador.
Quando
Aécio era governador, nomeou Oswaldo presidente presidente da Companhia de
Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), estatal mineira com
orçamento bilionário que custeou a obra. A confirmar a delação, Oswaldo seria
uma espécie de Sérgio Machado do Aécio e desempenharia na Codemig papel
semelhante ao que Dimas Toledo teria desempenhado em Furnas.
Essa
delação não surpreende quem acompanha veículos de imprensa alternativos e blogs
que não blindam tucanos, pois evidências de malfeitos em torno da obra foram
publicadas há mais de seis anos.
A
própria licitação da Cidade Administrativa deixa suspeitas claras de combinação
para evitar concorrência. Para construir os três prédios, conciliou nove
empreiteiras vencedoras (pelo menos seis delas envolvidas na Lava Jato),
organizadas em três consórcios. Cada consórcio construiu um dos prédios.
Nenhuma empreiteira se repete, nenhuma ganhou a concorrência no lote da outra.
Causa
mais estranheza a construção de dois prédios iguais (com a mesma técnica
construtiva e os mesmos materiais) ter sido dividida em dois lotes: um
consórcio de três empreiteiras ganhou a construção de um prédio, e outro
consórcio (também de três empreiteiras) ganhou a construção do outro prédio, e
ambos ficaram praticamente igualzinhos.
Ora,
se um consórcio ganhou um dos prédios com preço menor, teria de construir os
dois, pois nada justifica pagar mais caro pelo outro praticamente igual. Se os
preços foram iguais, a caracterização de formação de cartel fica muito
evidente.
A
oposição aos tucanos em Minas chegou a denunciar o fato, blogs publicaram e um
inquérito chegou a ser aberto em Minas. Mas a necessária investigação fica nas
gavetas durante anos sem se aprofundar. De novo o sistema judiciário se move
apenas por atos extremos: ou engavetamento ou delação.
Deixando
Aécio de lado, lembremos do caso Sanguessuga de 2006. Provas robustas, dezenas
de parlamentares e prefeitos indiciados, parte denunciados. Mas cadê a
condenação? Muitos deputados daquele escândalo estão aí até hoje reeleitos,
inclusive votando no impeachment. Um exemplo recente é o deputado Nilson Leitão
(PSDB-MT). Quando a aceitação da denúncia foi a julgamento, nem chegou a se
tornar réu, pois já estava prescrito.
A
política estaria mais decente, o Congresso Nacional estaria mais limpo, e os
governantes honestos livres de achaques, se o sistema judiciário trocasse o
excesso de prisões preventivas que ao longo do tempo não traz maiores
consequências na redução de crimes, por investigações efetivas e condenações
definitivas, com menos engavetamento. E corruptores e corruptos teriam mais
medo de descumprir a lei se as delações não fossem tão premiadas como têm sido.
Hoje
virou heresia criticar excessos de delações e prisões preventivas. Mas será que
a opinião pública continuará aplaudindo quando a revista Caras fizer uma edição
sobre a doce vida de delatores milionários presos a suas tornozeleiras
eletrônicas? Isso enquanto o cidadão trabalhador honesto é condenado a levar
uma vida de privações, por políticas de combate a corrupção tão disfuncionais
que levaram Michel Temer ao poder para impor "austeridade" à classe média
e aos mais pobres, enquanto as grandes fortunas, inclusive com tornozeleiras,
continuam não sendo tributadas.
http://www.brasil247.com/pt/247/midiatech/240967/%E2%80%9CMal-usada-dela%C3%A7%C3%A3o-premiada-vira-incentivo-ao-crime-de-corrup%C3%A7%C3%A3o%E2%80%9D.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário