Alguém
me alertou a respeito do excessivo número de postagens que tenho feito, todas
contrárias ao atual presidente do STF, Joaquim Barbosa. Ele queria saber o
porquê de tanto desprezo que eu nutro pelo referido senhor.
Como
resposta, vou começar afirmando que eu sempre fui um denodado defensor do poder
judiciário e não admitia aquelas conversas fiadas de que nossos magistrados
eram parciais e julgavam de acordo com suas conveniências ou de que qualquer
serventuário da justiça era corrupto e podia ser comprado. Eu ficava indignado
cada vez que escutava tais afirmações e até mesmo era rude com quem
compartilhava de tais pensamentos.
Eu
sempre acreditava que os nossos julgadores exerciam suas funções com a devida
imparcialidade e eqüidistância das partes, observando todos aqueles princípios
jurídicos que nós aprendemos nas faculdades, todos frutos de séculos de avanços
e de aperfeiçoamentos no âmbito do mundo do direito. Podia até ocorrer uma
injustiça aqui ou ali, mas ao final, através do duplo grau de jurisdição, ela
seria devidamente corrigida.
Pois
toda esta minha crença começou a desmoronar no momento em que eu resolvi
assistir ao julgamento da Ação Penal 470 através das transmissões ao vivo que
foram feitas. No início eu me postei para acompanhar todo o julgamento
imaginando que muito iria haurir do tal notável saber jurídico dos ministros,
mas ao começar a ouvir os votos e assistir aos procederes de alguns deles, fui
tomado de uma grande desilusão e revolta, pois naquele momento eu começava a
desacreditar no sistema jurídico que eu tanto defendia até então.
O
que assisti desiludido e estupefato, foi a um julgamento em que a decisão penal
condenatória foi baseada em indícios e em uma teoria ultrapassada (Teoria do
Domínio do Fato) que não merece credibilidade. Capitaneado pelo ministro
Joaquim Barbosa, o teatro farsesco travestido de julgamento nos obrigou a ouvir
aberrações jurídicas como a da ministra Rosa Weber ao dizer que “não tenho
prova cabal contra Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me
permite” ou através afirmações como as do ministro Gilmar Mendes, “não se torna
necessário que existam crimes concretos cometidos”, ao tentar justificar porque
condenou 11 réus por formação de quadrilha!
Ao
ouvir frases tão estapafúrdias, completamente contrárias a tudo o que eu havia
aprendido a respeito de direito e processo penal, eu percebi que infelizmente
as nuvens cerradas da inquisição e do obscurantismo estavam pairando sobre o
STF durante o julgamento da indigitada Ação Penal 470 e que a maioria dos
ministros estava julgando de acordo com os desígnios da imprensa manipuladora
que desde o início já havia condenado os réus. Faltava apenas completar a
farsa, preencher a formalidade de um processo, forjando um teatro para darem a
impressão de uma condenação através de um julgamento justo.
Sim,
pois condenar a uma pena que atinge a liberdade de alguém pelo simples fato de
que se tem o poder de condenar, sem a devida fundamentação em provas
consistentes é impensável. Trata-se de um retorno ao absolutismo, época em que
foi desenvolvida a doutrina do direito divino dos reis, segundo a qual o poder
do soberano expressa a vontade de Deus, sendo, portanto, incontestável,
absoluta e ilimitada.
Existem
alguns princípios que constituem a essência do direito em sociedades ditas
democráticas. No campo do direito penal por estarmos tratando da liberdade das
pessoas, devemos ressaltar o princípio de que a dúvida beneficia o réu
permanece de pé. Resume-se nesta frase latina: “In dubio pro reo”. É melhor
absolver mil culpados do que condenar um inocente. Por outro lado, temos ainda
aquele que determina que a condenação criminal exige provas cabais. Não podemos
proferir condenações penais fundamentadas em ilações, inferências, encadeamento
de hipóteses, presunções, suposições. Esta é uma conquista milenar do Direito e
dela não podemos abrir mão sob pena de instaurarmos o império da insegurança
jurídica. Mesmo que o juiz esteja subjetivamente convencido da culpa, não lhe é
lícito condenar, se não houver nos autos prova evidente da culpabilidade.
Apenas
para exemplificar, no caso de José Dirceu, não havia nos autos uma prova sequer
de que ele tenha tido participação, tendo havido a aplicação equivocada da
teoria do domínio do fato, criada na Alemanha para punir criminosos de guerra.
Tivessem provado cabalmente a culpabilidade dele, eu estaria calado e
resignado. Mas isso não ocorreu. Na verdade, houve um julgamento político e
tais tipos de julgamentos não podem ser aplicados em casos em que poderemos
retirar a liberdade de pessoas.
Eu
poderia continuar falando horas a respeito de todas as barbaridades jurídicas
praticadas ao longo do processo, que eu confesso que não consegui acompanhar
por completo, tomado que fui de náusea e de uma desilusão irremediável. Mas
acho que já deu para demonstrar porque eu tenho hoje este desprezo pelo senhor
Joaquim Barbosa.
Não
posso de maneira alguma ter qualquer resquício de admiração por alguém que
juntamente com alguns outros ministros ajudou a retirar a minha credibilidade
do STF, eis que acabou julgando de acordo com os desígnios da imprensa
inquisitória. Mais interessado em trazer para si os holofotes da grande mídia,
ele não hesitou em jogar por terra princípios jurídicos universais do direito que
foram lapidados ao longo de séculos de avanços do mundo jurídico, justamente
para servirem de limite para os abusos de poder praticados pelo estado contra
as pessoas.
Foi
justamente naquela ocasião que eu comecei a desacreditar no sistema jurídico
que eu tanto exaltava em momentos anteriores. Hoje sou um cético em relação ao
poder judiciário. E minha atual visão não é em virtude de eventuais ideologias
políticas. Repito: se tivesse sido um julgamento dentro dos parâmetros e
princípios que eu sempre aprendi desde os tempos da faculdade, eu estaria
conformado. Mas não foi e o tempo irá comprovar isto.
Ainda iremos reconhecer este julgamento da AP 470 como um
grande erro histórico. Tenho certeza de que a este julgamento serão reservados
nos manuais de direito do futuro, os capítulos das histórias de injustiças mais
tenebrosas já perpetradas no Brasil.
Quanto ao senhor Joaquim Barbosa, a ele dedico apenas meu
desprezo por extirpar de mim a credibilidade que eu tinha em relação ao poder
judiciário.
Jorge
André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS
Nenhum comentário:
Postar um comentário