sábado, 26 de dezembro de 2009

PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO. CORTE DE ENERGIA ELÉTRICA


O princípio da proibição de retrocesso social é aquele que veda que norma posterior venha a desconstituir qualquer garantia constitucional.

Referido princípio, também denominado de aplicação progressiva dos direitos sociais, cláusula de proibição de evolução reacionária, regra do não-retorno da concretização, princípio da proibição da retrogradação, surgiu na medida em que a dignidade da pessoa humana foi erigida à condição de fundamento constitucional. Seu objetivo é justamente o progresso e a garantia das conquistas já alcançadas pela sociedade, tendo como característica principal, a impossibilidade de redução dos direitos sociais previstos na Constituição Federal. É como se os avanços sociais fossem se acumulando e formando um patrimônio jurídico com caráter de permanência.

Tem um conteúdo positivo, configurado no dever de o legislador ampliar o grau de concretização dos direitos fundamentais sociais e um conteúdo negativo, justamente a imposição ao legislador de, no exercício de sua atividade típica, não suprimir ou reduzir de forma desproporcional ou desarrazoada os direitos fundamentais sociais já alcançados por meio da legislação infraconstitucional,

Fundamentado em tal princípio, a 21ª Câmara Cível do TJRS decidiu que o fornecimento de energia elétrica é serviço essencial, indispensável à vida e saúde das pessoas e, portanto, não pode ser interrompido como forma de pressionar consumidor em débito. Segundo o Desembargador Francisco José Moesch, relator do recurso interposto no Tribunal de Justiça, "aceitar a possibilidade de corte de energia elétrica implica flagrante retrocesso ao direito do consumidor, consagrado a nível constitucional". Em sua avaliação, a Lei da Concessão de Serviço Público (Lei nº 8.987/95), ao afirmar que a interrupção por inadimplência não caracteriza descontinuidade do serviço, está praticando verdadeiro retrocesso ao direito básico do consumidor.

Para o desembargador, o corte de luz é um meio de cobrança que constrange o usuário do serviço. Enfatizou que os órgãos públicos e suas concessionárias ou permissionárias estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), que determina o contínuo fornecimento dos serviços essenciais. Portanto, desde a edição dessa norma, há controvérsia sobre a possibilidade de corte sistemático ou imediato do fornecimento de serviços tipicamente públicos como forma de cobrança de créditos.

O magistrado afirmou que o direito de proteção ao consumidor é cláusula pétrea da Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXII), o que dá ao Direito do Consumidor status de Direito Constitucional. Concluiu que qualquer norma infraconstitucional a ofender os direitos consagrados pelo CDC está ferindo, consequentemente, a Constituição.

A respeito da prestação do serviço, observou que "não se quer dizer que deva ser gratuito. [...] Se o consumidor está em débito, dispõe o fornecedor de todos os instrumentos legais para pleiteá-lo, sem que seja necessário proceder ao corte do fornecimento".

A Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D) interpôs Agravo de Instrumento em recurso à decisão da Comarca de Alvorada que impediu que a concessionária cortasse a energia elétrica de consumidor que não pagou fatura de recuperação de consumo. Sustentou que houve a constatação de irregularidade no medidor de energia elétrica, sendo elaborado cálculo de recuperação de consumo no valor de R$ 2.298,54. Defendeu ser cabível a suspensão do serviço porque o cliente está em débito, conforme a Lei nº 8.987/95 e a Resolução nº 456/2000 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

A decisão é do dia 4/11/09. Acompanharam o voto do relator a Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro e o Desembargador Genaro José Baroni Borges.

Proc. 70031931249

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Jorge André Irion Jobim. Advogado de Santa Maria, RS

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