Decisão
reconheceu a importância dos animais de companhia no contexto familiar e o
bem-estar do pet.
A
juíza de Direito Teresa Cristina Castrucci Tambasco Antunes, da 2ª vara da
Família e Sucessões de São Paulo/SP, deferiu pedido de tutela de urgência em
uma ação de divórcio para definir tutoria compartilhada de um animal de
estimação entre o casal.
A
magistrada determinou que o pet deve permanecer uma semana com cada uma das
mulheres, retirando-o na residência com quem ele estiver às sextas-feiras às 19
horas.
Na
decisão, a magistrada citou precedente do STJ que reconhece os animais de
companhia como seres dotados de sensibilidade, cujo bem-estar deve ser
considerado em decisões legais que afetam sua guarda.
Pet
deve permanecer uma semana com cada uma após divórcio.
A
magistrada sublinhou a evolução dos modelos de familiares e a necessidade de a
ordem jurídica refletirem as relações.
"Os
animais de estimação passaram a ter relevância com a nova configuração do
modelo de família, quiçá com status de membros da entidade, sendo certo que a
ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo dessa relação do
humano com seu animal de estimação."
Assim,
deferiu o pedido de tutoria compartilhada.
O
caso tramita em segredo de Justiça.
https://www.migalhas.com.br/quentes/406188/juiza-determina-tutoria-compartilhada-de-cachorra-em-acao-de-divorcio
Jorge André Irion Jobim
sábado, 27 de abril de 2024
JUSTIÇA DETERMINA QUE FILHOS PAGUEM PENSÃO ALIMENTÍCIA À MÃE IDOSA
Cinco
irmãos terão de pagar à mãe idosa, de 88 anos, pensão alimentícia no valor de
10% do salário mínimo nacional cada um deles. A decisão, proferida no dia 18 de
abril, é da 8ª Câmara Cível do TJRS, que manteve a determinação em caráter
provisório da Vara de Família da Comarca de Gravataí. A idosa ingressou no
judiciário com ação de alimentos, pedindo auxílio financeiro aos filhos. O caso
segue em tramitação no 1º grau para análise do mérito.
O
relator dos recursos, desembargador José Antônio Daltoé Cezar, destacou que o
pedido contra os descendentes tem fundamento em lei. Citou o artigo 229 da
Constituição Federal, que diz que os filhos maiores têm o dever de ajudar e
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, e o 230, que aborda o
dever da família, da sociedade e do estado de amparar os idosos.
O
magistrado citou ainda o Código Civil. O artigo 1.694 afirma que "podem os
parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive
para atender às necessidades de sua educação". A norma pontua também que o
direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a
todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em
falta de outros.
Segundo
o relator, da análise dos documentos juntados, ficou comprovado que a autora do
processo possui o diagnóstico de diabetes, hipertensão e artrose, necessitando
de cuidador em tempo integral. E possui benefício previdenciário no valor de
aproximadamente um salário-mínimo.
"Para
a fixação do encargo, deve sempre ser observado o binômio
necessidade-possibilidade", explica. Acompanharam o voto do relator os
desembargadores João Ricardo dos Santos Costa e Luiz Felipe Brasil Santos.
Fonte:
TJRS
https://jornaldaordem.com.br/noticia-ler/justica-determina-que-filhos-paguem-pensao-alimenticia-mae-idosa/50203
quarta-feira, 24 de abril de 2024
SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL PODERÁ CUMPRIR HORÁRIO ESPECIAL PARA CUIDAR DE MÃE COM ALZHEIMER
Ao
analisar o pedido liminar, a ministra relatora reconheceu os requisitos para a
concessão do efeito suspensivo ao recurso, destacando a importância do amparo
estatal à pessoa idosa e com deficiência.
Enfatizou
que o conceito de "dependente" transcende a mera dependência
econômica, devendo abranger outras esferas de cuidado e proteção.
"Importante
ressaltar, ainda, que a perita judicial foi taxativa ao afirmar que
a genitora da Autora é portadora de síndrome demencial e neoplasia mamária
e, ao ser questionada a respeito da necessidade de cuidados especiais e da
importância da presença de familiares para o tratamento da paciente,
asseverou a existência de dependência emocional da mãe em relação à filha,
bem como que a presença da Autora contribui para a sensação de segurança
da paciente", completou.
Rudi
Meira Cassel, advogado da servidora e membro do escritório Cassel Ruzzarin
Advogados, destacou a relevância da decisão, que vai ao encontro do amplo
espectro de proteção legal destinado a idosos e pessoas com deficiência no
Brasil. Segundo Cassel, a tentativa de limitar o dever de cuidado a
aspectos financeiros contraria a legislação protetiva nacional.
Processo:
TutAntAnt 228
https://www.migalhas.com.br/quentes/405988/stj-servidora-tera-horario-especial-para-cuidar-de-mae-com-alzheimer
domingo, 7 de abril de 2024
STJ VÊ INVASÃO ILEGAL E REJEITA DENÚNCIA POR PLANTIO DE MACONHA EM CASA
Por
entender que houve invasão ilegal de domicílio, a 6ª turma do STJ, por
unanimidade, restabeleceu a sentença de 1º grau que rejeitou a denúncia contra
um homem acusado de cultivar 58 pés de maconha no quintal de casa. O colegiado
considerou ilícitas as provas obtidas após a entrada dos policiais na
residência - diligência que se baseou somente em informações provenientes de
uma denúncia anônima.
Após
receberem a denúncia anônima de que um homem estaria cultivando maconha no
quintal, a polícia foi até o local. Chegando na residência, os policiais foram
recebidos por uma mulher que, segundo eles, permitiu seu ingresso e os levou
até o quintal, onde mostrou os pés de maconha que pertenceriam ao marido.
Durante seu interrogatório, o homem disse que era usuário de maconha e estudava
os efeitos medicinais da planta.
O
juízo de 1º grau apontou que a denúncia anônima não era suficiente para
justificar a busca domiciliar sem mandado judicial e, por isso, rejeitou a
denúncia do Ministério Público, entendendo não haver justa causa para o
exercício da ação penal (art. 395, inciso III, do CPP). Entretanto, o TJ/PA
determinou o prosseguimento da ação, sob o argumento de que, como a companheira
do acusado autorizou a entrada dos policiais na residência, a prova produzida
seria lícita.
O
relator do caso no STJ, desembargador convocado Jesuíno Rissato, comentou que o
estado de flagrância se prolonga no tempo quando se trata de crime permanente,
mas tal circunstância não é suficiente, por si só, para validar uma busca
domiciliar desprovida de mandado judicial. Segundo ele, a entrada da polícia na
residência precisa ser justificada por indícios mínimos e seguros de que,
naquele momento, havia uma situação de flagrância no local.
O
magistrado ponderou que, conforme a jurisprudência do STJ, as circunstâncias
que antecedem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e
objetivo, as razões que justificam tal diligência, não podendo derivar de
simples desconfiança policial, apoiada em mera "atitude suspeita".
"No
caso, ausentes diligências ou investigações prévias, não estão presentes
fundadas razões para a realização de busca domiciliar sem mandado judicial. O
fato de terem sido encontrados objetos ilícitos a posteriori não convalida a
entrada no imóvel de maneira irregular. Se não havia fundada suspeita de que no
imóvel havia droga ou objetos ou papéis que constituíssem corpo de delito, não
há como se admitir que a mera descoberta casual de situação de flagrância,
posterior à invasão de domicílio, justifique a medida."
Rissato
também ressaltou que não consta dos autos nenhuma comprovação de que o ingresso
na casa do acusado tenha sido autorizado por sua companheira, a qual,
inclusive, negou tal informação. De acordo com o relator, a suposta permissão,
dada no clima de estresse da situação, não pode ser considerada, a menos que
tivesse sido por escrito, testemunhada ou documentada em vídeo.
"Constitui
ônus do Estado provar o dito consentimento do acusado para a entrada dos
policiais no domicílio", concluiu ao dar provimento ao recurso especial.
Processo: REsp 2.113.202
Informações: STJ.
https://www.migalhas.com.br/quentes/404905/invasao-ilegal-stj-rejeita-denuncia-por-plantio-de-maconha-em-casa
sexta-feira, 29 de março de 2024
STJ PERMITE INCLUIR SOBRENOME DE PADRINHO PARA FORMAR PRENOME COMPOSTO
A
3ª turma do STJ validou alteração em registro de nascimento para adicionar o
sobrenome do padrinho do interessado, criando, assim, um nome composto. Segundo
o colegiado, a lei permite mudanças no prenome sem a necessidade de explicar os
motivos, possibilitando a formação de nomes compostos por essa via.
O
homem recorreu ao STJ para modificar sua certidão de nascimento. Ele queria
incluir o sobrenome de seu padrinho ao seu nome. Seus pedidos anteriores foram
rejeitados tanto em 1ª instância quanto no TJ/DF, com a justificativa de que
não se poderia acrescentar ao nome um sobrenome que indicasse parentesco por
parte de terceiros.
Argumentando
pela legalidade de sua solicitação, o homem destacou que sua ação não
prejudicaria os sobrenomes familiares e foi feita no prazo de um ano após
atingir a maioridade, conforme permitido pela legislação vigente à época.
Além
disso, foram apresentadas várias certidões negativas e uma declaração do padrinho
apoiando a inclusão de seu sobrenome no nome do afilhado, fortalecendo o caso
para a mudança.
Sobrenome como nome
O
ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do caso, enfatizou a importância do
nome como expressão da personalidade individual, protegida civilmente para
assegurar a identificação única da pessoa.
Anteriormente,
afirmou o ministro, a legislação estipulava prazo para a alteração do nome após
a maioridade, mas a lei 14.382/22 removeu essa restrição temporal, facilitando
a mudança de prenome sem intervenção judicial.
Bellizze
salientou que, mesmo antes da mudança legislativa, o pedido do homem estava
conforme as normas da época, pois foi feito em um ano após sua
maioridade.
Assim,
considerando a autonomia privada e sem riscos para a segurança jurídica ou a
terceiros, o pedido de alteração foi aceito.
"Diante
disso, observados esses pressupostos, dever-se-ia acolher o pedido de alteração
do prenome, independentemente da motivação externada pelo requerente, que
poderá, por exemplo, modificá-lo integralmente, acrescer nomes intermediários,
adotar prenome duplo ou até mesmo incluir apelido público notório, como prevê o
artigo 58 da LRP", afirmou o ministro.
Nome como sobrenome
Em
dezembro de 2023, a mesma turma decidiu de forma diversa em uma situação que
pedia o oposto: a inclusão de um prenome como sobrenome. Os ministros não
autorizaram que um homem incluísse em seu prenome uma homenagem que sua mãe
recebeu ao nascer.
A
família não possuía o sobrenome "Ramos", mas a mãe do interessado
recebeu o termo no seu pronome como homenagem por nascer no "Domingo de
Ramos". O filho, então, ajuizou ação requerendo a inclusão da palavra,
também, na composição de seu sobrenome.
Segundo
a relatora, ministra Nancy Andrighi, que foi seguida pelos ministros Humberto
Martins e Villas Boas Cueva, não é possível incluir como sobrenome prenome de
ascendente, pois inexistente o elemento de identificação da entidade familiar e
o propósito de perpetuação da linhagem familiar.
Com
entendimento diverso, ministros Moura Ribeiro e Marco Bellizze afirmaram que
seria possível a inclusão do nome, tendo em vista a flexibilização admitida
pela lei 14.382/22.
Processo:
REsp 1.951.170
Informações: STJ.
https://www.migalhas.com.br/quentes/404210/stj-permite-incluir-sobrenome-de-padrinho-para-formar-prenome-composto
Informações: STJ.
terça-feira, 26 de março de 2024
ENTRE O HEROÍSMO E A TRAGÉDIA: OS 100 ANOS DO PARTIDO COMUNISTA. POR VALERIO ARCARY
O
Partido Comunista Brasileiro foi fundado em Março de 1922, numa reunião em
Niterói. Valerio Arcary analisa como, apesar das crises e erros táticos, o
partido conseguiu ter um peso social, político e cultural na sociedade
brasileira muito maior que seus pares na Argentina e México - e por que seus
quadros foram militantes da mais elevada estatura, cruciais nas lutas populares
e democráticas do século XX.
É
razoável duvidar que, em uma história política de cem anos, ainda haja algo
significativo a ser desvendado, ou que nos provoque alguma surpresa. No
entanto, mesmo para aqueles que já têm uma opinião formada sobre a trajetória
do Partido Comunista, seja ela neutra, favorável ou crítica, a verdade é que a
celebração do aniversário é um convite para considerar novas hipóteses.
Na
longa marcha do partido, que foi fundado em 1922, há lugar para muito respeito,
sincera admiração, polêmicas inevitáveis, e até um pouco de espanto, e outro
tanto de assombro. Os interessados descubrirão que ainda há muito por revelar
e, portanto, refletir sobre o que foi, e no que se transformaram as correntes
herdeiras do Partido Comunista.
Estudar
a história do comunismo no Brasil é tema imprescindível. Trata-se de um desafio
intelectual dos mais complexos. Porque, embora tenha havido uma investigação
séria, ainda permanece ainda pouco pesquisada, explorada, explicada. Mas é
também um imperativo político, em especial, para a nova geração da esquerda
brasileira que chegou à vida adulta depois de 2013, e se forjou na luta contra
Bolsonaro.
Entre a glória e o
infortúnio
Análises
históricas buscam o sentido das proporções. Se isso não é fácil decifrar o que
aconteceu entre a fundação em 1922 e a reorganização em 1942, oitenta anos
atrás, ou entre 1942 e 1964, quando o Partido Comunista alcançou o auge de sua
influência, é ainda mais difícil para as duas etapas seguintes, o período da
ditadura até a ruptura de Luís Carlos Prestes, e a última etapa que coincide
com o período mais longo da democracia-liberal no Brasil. Desemaranhar o que
ocorreu é descobrir o por quê. Foi uma história que uniu heroísmo e tragédia.
Os militantes comunistas uniram, como nenhum outro do seu tempo, glória e
infortúnio.
As
vicissitudes das táticas merecem ser explicadas pelos impasses da estratégia.
Ao longo de cem anos, cinco gerações de quadros lutaram sob a bandeira da
revolução brasileira e foram derrotados. Mas as derrotas não diminuem o
tamanho, na dimensão humana, dos personagens principais, os “quadros” em nosso
jargão que, apesar de suas fragilidades e erros, aparecem engrandecidos, em
perspective histórica, pela sua abnegação militante. Eles foram mulheres e dos
homens da mais elevada estatura moral e intelectual que participaram das lutas
populares no Brasil do século XX. Eles viveram uma época extraordinária, e
foram capazes de feitos extraordinários.
Alguns
deles foram homens de ação, dirigentes de greves e de campanhas políticas nas
ruas. Outros foram organizadores de partido dedicados à formação dos militantes
e à construção interna. E houve ainda aqueles que assumiram tarefas
intelectuais complexas. Muitos foram levados às prisões sob os diferentes
regimes políticos que o país conheceu entre os anos vinte e os anos setenta.
Dirigiram sindicatos, associações de bairros, organizações camponesas.
Trabalharam, discretamente, na legalidade, e mergulharam na clandestinidade
quando se viram obrigados. Resistiram às desmoralizações que vieram com as
prisões, cisões e exílios. Fizeram história. Mas, foram, politicamente,
derrotados.
O partido, as crises e suas
ramificações
Permanecem
vivas as controvérsias de critérios para a apreciação histórica dos partidos
políticos. Partidos podem ser julgados pelo programa que apresentam para a
transformação da sociedade. Ou podem ser explicados pela história de suas
linhas políticas, e de suas lutas políticas, sobretudo, as internas; pelo
confronto entre suas posições quando estão na oposição, e quando se aproximaram
do poder; ou até pelos valores e ideias que inspiram sua identidade; pela
composição social de seus membros – militantes ou simpatizantes – ou dos seus
eleitores, ou da sua direção; pelo regime interno do seu funcionamento; pelas
formas de seu financiamento; ou pelas suas relações internacionais. Todos estes
critérios são válidos e significativos, e a construção de uma síntese exige uma
apreciação da sua dinâmica de evolução. Só não se pode é julgar um partido por
aquilo que ele pensa sobre si próprio.
Para
aqueles que usam o marxismo como método de análise das relações sociais e
políticas, todos estes elementos são significativos, mas uma caracterização de
classe é, finalmente, inescapável. O Partido Comunista foi, durante sessenta
anos, entre 1922 e 1982, o principal partido da esquerda brasileira: o mais
influente na classe operária, o mais ramificado em escala nacional, o mais
forte na intelectualidade e o maior na institucionalidade.
Mas,
como tudo que existe, os partidos se transformam, e a narrativa dessas mudanças
é o cerne da investigação histórica. Quando a história se resigna a procurar um
fio de permanência nas organizações político-sociais ela renuncia ao seu maior
desafio. Não é razoável que, qualquer uma das organizações que celebram o
partido que nasceu em 1922, reivindique, exclusivamente, para si a continuidade
direta da reunião de Niterói. Além do PCdB e PCB, que mantém uma identidade
clara, há comunistas no PSOL e, também, em todas as organizações que se
reconhecem como herdeiras da revolução de Outubro.
Acontece
que as mudanças não são possíveis sem crises. O PCB conheceu em sua longa
história cinco crises devastadoras. Foram períodos dramáticos. O elemento comum
a essas cinco grandes crises foi que o PCB quase desapareceu nas quatro
primeiras, para ressurgir em imprevistas reorganizações e, finalmente,
sucumbir, irremediavelmente, na última. Recuperou-se das primeiras quatro
grandes crises da sua história, mas o fez deixando de ser o que era, porque se
transformou de tal forma que reapareceu quase irreconhecível.
A
primeira e menos estudada foi a crise da fase da sua stalinização no final dos
anos vinte e início dos anos trinta, um processo que consumiu várias rupturas,
as principais delas dirigidas por Mário Pedrosa e Hermínio Sacchetta que deram
origem à Quarta Internacional no Brasil. A segunda foi a provocada pela derrota
da insurgência militar de 1935 quando parecia ter sido eliminado pela repressão
implacável, e saiu da mais estrita clandestinidade para se transformar, quase
da noite para o dia, em um dos maiores partidos comunistas da América do Sul.
A
terceira foi a crise aberta após o golpe de 1964 e a consolidação da ditadura
militar, quando o duplo impacto da derrota diante da contrarrevolução no Brasil
e da vitória da Revolução Cubana, provocou uma explosão do Comitê Central que
tinha resistido à cisão alinhada, após alguns anos com a corrente internacional
pró-chinesa/albanesa que originou o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), sob a
liderança de João Amazonas, Pedro Pomar e Arruda Câmara.
A
quarta foi a incrível ruptura com Luís Carlos Prestes, a principal liderança
histórica, durante meio século. A última foi a crise final, aquela que se abriu
após 1989/1991, quando da derrubada do regime burocrático na ex-URSS, quando a
restauração capitalista conduzida por uma fração dirigente do próprio Partido
Comunista, chefiada pro Gorbatechev, precipitou a desagregação internacional
dos partidos até então associados a Moscou.
Ziguezagues e fragmentações
A
desqualificação do papel histórico que as organizações sindicais e políticas
dos trabalhadores e das massas populares tiveram na história do país é um
capítulo da batalha ideológica dos nossos tempos. Ao escrever sobre as lutas do
passado, os historiadores estão, conscientemente ou não, envolvidos nos
combates do presente. O peso social, político, ideológico e até cultural que o
Partido Comunista teve na sociedade brasileira foi, proporcionalmente, muito
maior que o peso dos Partidos Comunistas na Argentina e no México, os outros
dois países chaves da América Latina.
Mas
há um paradoxo na historiografia disponível sobre a história do Partido
Comunista. Tanto aquela simpatizante do PCB, quanto a que lhe foi adversa, coincidiram
em identificá-lo como um partido marxista-revolucionário, o que é insensato.
Nos anos trinta, o Partido Comunista de Luís Carlos Prestes já não era o mesmo
partido de Astrogildo Pereira dos anos vinte. A pesquisa rigorosa nos apresenta
a história errática da evolução das orientações políticas do PCB, que oscilou
da formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), como Frente Nacional
Democrática para a insurreição militar de 1935, da tática da União Nacional
antifascista contra o governo Vargas para o queremismo de apoio a Getúlio em
1945. O PCB oscilou de uma posição sectária diante de Vargas depois da eleição
de 1950 para um papel auxiliar da corrente nacional-desenvolvimentista durante
o governo Juscelino e Jango. O PCB foi incapaz de compreender que, a partir das
greves de trabalhadores de 1978/79 e o surgimento do PT, era possível derrotar
a ditadura nas mobilizações de massas nas ruas, insistindo no seguidismo da
liderança burguesa liberal do MDB que culminou com a eleição de Tancredo no Colégio
Eleitoral da ditadura em 1985.
Somente
contextualizando as flutuações da linha do PCB nos marcos das suas relações com
Moscou, do blanquismo tardio do terceiro período ao seguidismo diante de
Getúlio, da impotência diante da preparação do golpe contrarrevolucionário de
1964 ao sectarismo diante da formação do PT, da capitulação diante de Tancredo
e apoio ao governo Sarney à dissolução de sua maioria em um partido de aluguel
que se transformou em satélite do PSDB, o maior partido burguês liberal das ultimas
décadas.
Os
estonteantes ziguezagues da política do PCB ainda exigem uma explicação
histórica. A principal razão para essa ausência repousou na dificuldade de
compreensão do que foi o stalinismo. O stalinismo emergiu nos anos vinte como
um fenômeno histórico novo, e tudo o que é, historicamente, original é, para os
seus contemporâneos, mais difícil de explicar. A distância de cem anos nos
oferece uma vantagem de perspectiva que pode, também, nos enganar.
A
principal singularidade do stalinismo é que ele não foi uma doutrina, nem muito
menos uma política. O stalinismo mudou tantas vezes de política, e abraçou
orientações tão diversas e realizou giros tão espetaculares, que os esforços de
encontrar coerência interna na evolução das idéias que saíam de Moscou para
conduzir a III Internacional e, depois do fim da segunda guerra mundial, a
corrente internacional sob sua influência, frustraram a maioria dos seus
estudiosos, fossem eles simpáticos ou avessos aos destinos do regime no poder
na União Soviética.
Programaticamente,
o stalinismo foi a ideologia nacionalista de um Estado controlado por um
aparelho burocrático gigantesco, os pelo menos 5 milhões de funcionários que
compunham a denominada nomenklatura, ou seja, o contrário do internacionalismo.
Quando a liderança de Stálin à frente da URSS girou da defesa da orientação da
Frente Populares contra o fascismo para o Pacto Molotov/Ribbentrop – ao mesmo
tempo em que, entre 1936 e 1939, os Processos de Moscou liquidavam fisicamente
o que ainda existia de bolcheviques dentro do Partido – os partidos comunistas
no Ocidente foram colocados diante do desafio de justificar o inexplicável.
Quando Gorbatchev iniciou a restauração capitalista com a Perestroika, de novo,
o inimaginável aconteceu, e foi com a mesma paixão que muitos o defenderam.
Mas
é possível sentir orgulho da história dos comunistas brasileiros, e abraçar a
paixão que os levou a sacrifícios gigantes e, ao mesmo tempo, aprender com seus
erros.
Sobre os autores
VALERIO ARCARY
é historiador, militante do PSOL (Resistência) e autor do livro "O Martelo da História. Ensaios sobre urgência da revolução contemporânea"(Sundermann, 2016).
https://jacobin.com.br/2022/03/entre-o-heroismo-e-a-tragedia-os-100-anos-do-partido-comunista/
VALERIO ARCARY
é historiador, militante do PSOL (Resistência) e autor do livro "O Martelo da História. Ensaios sobre urgência da revolução contemporânea"(Sundermann, 2016).
sábado, 23 de março de 2024
A IA PODE MUDAR NOSSA ESPÉCIE. POR ASHER DUPUY-SPENCER E DAVID CALNITSKY
TRADUÇÃO
SOFIA SCHURIG
SOFIA SCHURIG
Algumas tecnologias aumentam a produtividade, mas outras remodelam não só a nossa sociedade, mas também a nossa fisiologia. Seja qual for o poder de transformação da Inteligência Artificial (IA), a estratégia socialista deve ser a mesma: aumentar o poder do trabalho.
ASHER DUPUY-SPENCER
é editor da Verso Books.
é professor assistente no departamento de sociologia da Universidade de Western Ontario.
terça-feira, 19 de março de 2024
EM MEMÓRIA DA COMUNA. POR VLADIMIR LÊNIN
TRADUÇÃO
PEDRO CASTRO
PEDRO CASTRO
Há 150 anos, o estrondo dos canhões nas barricadas da Comuna de Paris despertaram a classe operária mundial para a luta contra a exploração. Publicado originalmente na Rabochaya Gazeta, em 1911, o revolucionário Vladimir Lênin resgata a imortalidade de uma das primeiras tentativas de um levante da classe trabalhadora para criar o socialismo.
VLADIMIR LÊNIN
foi um dos principais revolucionários comunistas do século XX e teórico político russo que serviu como chefe de governo da Rússia Soviética de 1917 a 1924 e da União Soviética de 1922 até sua morte.
sábado, 9 de março de 2024
O QUE É PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO? ANTECIPAR HERANÇAS? ENTENDA POR QUE FAMÍLIAS ESTÃO INDO AOS CARTÓRIOS. Flavia Thais de Genaro Machado de Campos
Diante
da proposta de reforma tributária, famílias buscam alternativas para o
planejamento sucessório. Em meio à pandemia, discutir instrumentos jurídicos
torna-se crucial para assegurar a perpetuação do patrimônio.
Com
a proposta de reforma tributária do governo, muitas famílias estão buscando
alternativas para evitar custos, conflitos e burocracias no futuro.
Descubra
as vantagens e opções de planejamento sucessório neste cenário de mudanças
fiscais. Se há algo inescapável na vida é a sua finitude. O Sindicato dos
Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil - Sincep encomendou uma
pesquisa inédita em 2018 sobre a percepção dos brasileiros acerca da morte1.
Entre
os principais resultados, destaca-se que 74% das pessoas afirmam não falar
sobre a morte no cotidiano e que os brasileiros, em sua grande maioria,
associam o assunto a sentimentos como tristeza (63%), dor (55%), saudade (55%),
sofrimento (51%) e medo (44%). No entanto, o cenário de incertezas pelo qual a
sociedade está passando em virtude da pandemia causada pelo novo coronavírus
amplificou a importância da discussão sobre o futuro, trazendo de volta a
reflexão sobre os instrumentos jurídicos capazes de assegurar o planejamento
sucessório e a perpetuação do patrimônio.
Segundo
informações extraídas do Family Business Institute em seu sítio
eletrônico2, aproximadamente 70% das empresas familiares se extinguem quando
sua administração passa da primeira para a segunda geração. Este percentual
aumenta para 88% quando as empresas passam da segunda para a terceira geração,
demonstrando a importância de discutir e planejar a sucessão de uma maneira
ordenada.
É
importante observar que o planejamento sucessório não é destinado apenas a
famílias empresárias, mas também a todos aqueles que queiram planejar e
organizar a sua sucessão.
Mas,
afinal, o que é o planejamento sucessório? O planejamento sucessório pode ser
compreendido como um conjunto de medidas empreendidas para organizar a sucessão
hereditária de bens e direitos previamente ao falecimento do titular dos bens3.
Ou
seja, podem ser adotados um ou vários instrumentos jurídicos que permitam a
utilização de estratégias voltadas para a transferência eficaz e eficiente do
patrimônio. É considerado um instrumento preventivo, que poderá abarcar não
somente questões patrimoniais, mas também questões existenciais relevantes ao
titular do planejamento, como, por exemplo, a destinação do corpo após o
falecimento ou a destinação do acervo sucessório digital.
Qual é a finalidade do planejamento
sucessório?
Grosso
modo, o planejamento sucessório terá por finalidade otimizar o processo de
transmissão dos bens, segundo a realidade circundante de quem planeja e dos
seus herdeiros, de modo a evitar custos econômicos e emocionais, além da demora
que um inventário pode trazer.
É
considerado um instrumento preventivo que vem ganhando cada vez mais destaque e
importância atualmente, justamente porque se insere em um contexto muito mais
amplo, visando atender a uma nova realidade social em que o instituto do
Direito das Sucessões, isoladamente, não alcança plenamente as aspirações
sociais, já que está em descompasso com a sociedade contemporânea.
Como é feito o planejamento
sucessório?
Qualquer
decisão a respeito do planejamento sucessório deve ser tomada de maneira livre
e consciente, longe das amarras e pressões familiares e com a orientação de um
corpo jurídico que atue nesta área.
Ao
contrário do que muitos pensam, definir os critérios para o planejamento, com
clareza das opções e adequação às peculiaridades do caso concreto e,
principalmente, aos interesses do titular dos bens e daqueles que os receberão,
pode se consubstanciar em uma experiência libertadora - e, em muitos casos,
longe de ser uma decisão irrevogável ou definitiva, pode ser modificada no
decorrer da vida e das mudanças familiares4.
Antes
de mais nada, é preciso entender as reais necessidades e desejos do titular do
patrimônio. Após esta etapa, faz-se uma auditoria de todo o acervo de bens
(sejam eles móveis, imóveis, tangíveis, intangíveis, físicos ou digitais, no
Brasil e no exterior). Regularizados e estabelecidos os valores, identificam-se
os direitos de eventual cônjuge ou companheiro, mapeiam-se os herdeiros e os
demais sucessores e, eventualmente, terceiros a serem contemplados. Todas estas
etapas são de suma importância para que se realize um planejamento sucessório
bem-sucedido, minimizando riscos e impactos negativos futuros.
Interesses
e objetivos do titular dos bens nem sempre estarão em sintonia com as
aspirações e expectativas dos herdeiros ou cônjuge/companheiro, criando-se
áreas de atrito que podem, por vezes, comprometer o andamento do planejamento.
Diante deste impasse, a transparência, a confiança e a comunicação entre todos
os membros da família e o corpo jurídico são imprescindíveis para que se possa
estruturar uma sucessão que atenda às finalidades e objetivos do titular do
patrimônio e dos seus sucessores.
Quais são os instrumentos
que podem ser utilizados para um planejamento sucessório?
Embora
não haja na legislação um capítulo específico que trate do planejamento
sucessório, existem vários instrumentos comuns do direito civil e empresarial
que podem ser empregados para realizar a vontade do titular do patrimônio de
planejar a transição dos bens - o qual pode, inclusive, fazer a transferência
ainda em vida.
Pode-se
dividir os instrumentos em cinco grandes grupos - que serão analisados mais a
fundo em um novo artigo:
Instrumentos
de natureza contratual: contrato de compra e venda entre ascendente e
descendente, contrato de doação, contrato de mandato, contrato de comodato,
seguro de vida, pacto antenupcial e alteração do regime de bens;
Instrumentos de natureza real: usufruto, direito real de uso e direito real de habitação;
Instrumentos
de natureza societária: constituição de sociedade holding, acordo de sócios,
acordo de quotistas, governança corporativa, conselho e administração, conselho
de família, transformação, incorporação, cisão e fusão;
Instrumento
de natureza financeira: constituição de previdência privada, fundos de
investimentos e seguro de vida;
Instrumentos de natureza sucessória: testamento, codicilo, legados, testamento vital, cessão de direitos hereditários e deserdação.
Como
se percebe, há uma infinidade de instrumentos que podem ser utilizados quando
da realização de um planejamento sucessório. É necessário analisar
detalhadamente o caso concreto e a composição familiar para que se construa um
planejamento sólido com instrumentos capazes de abarcar os anseios de todo o
grupo familiar.
Flavia Thais de Genaro Machado de Campos
Bacharel em direito, advogada com OAB/SP 204.044 especialista em Direito Tributário, Direito do Consumidor, Gestão em Recurso Humanos, Gestão Trabalhista e Previdenciária. Advogada e proprietária.
https://www.migalhas.com.br/depeso/401807/o-que-e-planejamento-sucessorio-antecipar-herancas
Instrumentos de natureza real: usufruto, direito real de uso e direito real de habitação;
Instrumentos de natureza sucessória: testamento, codicilo, legados, testamento vital, cessão de direitos hereditários e deserdação.
Bacharel em direito, advogada com OAB/SP 204.044 especialista em Direito Tributário, Direito do Consumidor, Gestão em Recurso Humanos, Gestão Trabalhista e Previdenciária. Advogada e proprietária.
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